O sol brilhava forte num sábado de dezembro quando resolvemos passear em Óbidos. Logicamente não fomos os únicos a ter essa ideia e ao chegarmos no estacionamento principal encontramos uma enorme quantidade de carros e de ônibus de excursão, o que nos fez dar a volta e parar o mais longe possível, do outro lado da vila. De lá pudemos iniciar mais tranquilamente nossa caminhada rumo ao portal que protege essa pequena joia medieval.
A passagem pelo portal já desacelera o tempo e pouco a pouco vão revelando-se as bem preservadas casas caiadas, com detalhes em amarelo e azul, enfeitadas por flores. Envolvendo a cidade-pérola feito concha, uma grande muralha, antes rota militar, serve hoje de caminho e mirante para os turistas, que chegam a 2 milhões por ano. Mesmo numerosos, os excursionistas parecem concentrar-se quase inteiramente na rua Direita e na rua Josefa de Óbidos, onde ficam restaurantes e as várias lojas de artesanato oferecendo souvenirs “característicos”, como imãs de geladeira em forma de galo, objetos com estampa de azulejos portugueses e o famoso licor de Ginjinha servido em copinho de chocolate.
Enquanto alguns embarcam em uma volta de charrete, num simulacro do cotidiano medievo, preferimos nos perder pelas ruelas, a observar o ritmo próprio da vila e fantasiar o passado cravado nas paredes, entre histórias de amores nobres, invasões mouras, ou singelas mãos femininas a preparar doces e a pintar telas. Para além das ruas principais ainda é possível banhar-se de silêncio e povoar a paisagem de memórias imaginadas, mas vale a pena cruzar a balbúrdia comercial da rua Direita só para ser surpreendido pelo oásis de tranquilidade que é a Livraria do Mercado Biológico.
Ocupando um galpão que foi quartel dos Bombeiros, livros e legumes convivem amigavelmente e cadeiras convidam o passante a folhear algumas páginas, sem pressa. Poesia, natureza, literatura em língua estrangeira, política, são várias as sessões que catalogam os livros usados, expostos em estantes feitas de caixas de madeira que algum dia carregaram frutas. Os itens do mercado, todos de produção biológica, são cultivados na quinta dos donos e também por agricultores da região.
Como alternativa à enorme fila para comprar castanhas caramelizadas logo ao lado, na Livraria do Mercado o visitante pode obter pacotes de frutas do bosque prontas para o consumo, ou um delicioso pão de centeio assado em forno à lenha. Pode, ainda por cima, arrematar algum livro de Pessoa, uma edição rara de Amilcar Cabral, uma boa tradução de Natália Ginzburg, um Georges Bataille em francês, e mesmo uma compilação de pinturas da artista local Josefa de Óbidos, antes de pegar a rua paralela, que leva seu nome, e fugir novamente do rebuliço turístico.